Por Caroline Menis
Imagens e fonte: divulgação SPFW
Após duas temporadas 100% digitais, a edição N52 do São Paulo Fashion Week aconteceu nos dias 17 a 21 de novembro, no Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Parque Ibirapuera, com exceção da marca P.Andrade e Lenny Niemeyer. Em formato híbrido, com a volta dos desfiles presenciais, ou como o próprio evento cita, um evento “phygital” – o misto entre o digital e o físico.
Ao todo foram 50 apresentações, disponibilizadas nas plataformas digitais do SPFW. Dentre elas, oito marcas estreiam nesta edição: Von-Trapp, Bispo dos Anjos, Bold Strap, Corcel, Depedro, Fauve, Mnisis e Baska, de Carlinhos Maia. Teve também a continuação do projeto Sankofa, que estreou na última temporada (N51) e trouxe novas marcas, racializadas, para o evento. Desta vez, as marcas se apresentaram no formato físico. Encerrando a semana de moda nacional, no domingo do dia 21, a carioca Lenny Niemeyer comemorou os 30 anos da marca que carrega seu nome em uma linda apresentação em Niterói, no Rio de Janeiro, na Cúpula do Caminho Niemeyer.
Nesta edição houveram muitas reflexões sobre a moda como arte e política. A presença de babados, ornamentos, a alfaiataria elegante, com o mix de cores e texturas, do paetê ao plissado, envolvendo os designers em uma linha contínua de demonstrar (mais uma vez) a cultura brasileira e sua arte através das coleções. O cuidado em manifestar sobre questões atuais, como a tecnologia, sustentabilidade e diversidade, entregando também o glamour de uma semana de moda com êxito.
“A moda brasileira está novamente com toda a sua potência, relevância e com a certeza de novos aprendizados, que nos servirão de guia para os próximos anos. Como já disse anteriormente, não se trata de roupas, se trata de pessoas, o SPFW é um ato coletivo”, ressalta Paulo Borges, fundador e diretor criativo do evento.
Confira a cobertura dos desfiles presenciais para a COOL Magazine.
DAY 01
ANDRADE – Proteção Atemporal
Depois de 10 anos de sucesso à frente da marca de streetwear Piet, Pedro Andrade estreia oficialmente uma nova label, P. Andrade, com desfile na Pinacoteca de São Paulo, abrindo o calendário da edição N52 do SPFW. A iniciativa se configura como uma evolução na trajetória do designer em busca de experimentações mais ousadas, unindo tecnologia e sustentabilidade na moda, agora em parceria com a estilista e esposa, Paula Kim.
Na apresentação, isso se traduz em peças de alfaiataria – camisas, calças, trench coats e paletós – com detalhes sutis e interessantes nas modelagens. Peças matelassadas, como puffer jackets e corsets, parecem evocar uma necessidade de proteção, assim como as estampas com detalhes da anatomia do corpo humano. A cartela de tons neutros, como cinza, cáqui, branco, marfim, marinho e preto, traz atemporalidade à coleção.
DAY 02
CRIA COSTURA – Cidade Tiradentes na moda
A moda está em todos os lugares, e para colocar a periferia no centro da moda, o SPFW e o Instituto Nacional de Moda e Design (INMOD), em parceria com a Prefeitura de São Paulo, desenvolveram o Projeto Cria Cultura. É de Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, que vêm essas pessoas, 90% delas mulheres, costureiras, guerreiras, em situação de vulnerabilidade social.
Na passarela do maior evento de moda do país, carregam bandeiras e o conhecimento adquirido numa imersão em design de moda com o estilista e consultor Jefferson de Assis. Durante os últimos meses, esses talentos foram desafiados a aprender novas técnicas de costura, e a usar a metodologia zero waste, em que as modelagens são feitas de modo a aproveitar quase integralmente os tecidos, diminuindo a quantidade de resíduos.
O resultado é empoderamento, transformação, potência e, claro, peças com design em tiragem limitada, que serão distribuídas a jornalistas e influenciadores como Amanda Pieroni, famosa no TikTok pelo conteúdo sobre aceitação, moda consciente e corpos fora do padrão, escolhida como embaixadora da iniciativa. É o início de um novo ciclo, capaz de ampliar expectativas de vida, de espalhar prosperidade e sustentabilidade pelas comunidades pelo país.
TORINNO – Noites de verão
A marca do stylist e diretor criativo Luis Fiod, que já participou do SPFW com a coleção masculina, desfila nesta edição, sua primeira coleção dedicada às mulheres.
Com pegada sportswear de luxo, ideal para o verão noturno em grandes metrópoles à beira mar, a label traz peças como shorts, jogging pants, jaquetas e camisas. Os tecidos vão desde náilon, moletom e jeans, até couro, seda e tricô.
Na cartela de cores, branco, preto e cinzas, aparecem ao lado de pink, amarelo fluo, e tons de azul. As estampas, exclusivas, trazem elementos como palmeiras, siris e o logo da marca. A campanha foi estrelada pela atriz Alinne Moraes e pelo rapper Matuê.
SPFW N’GAME – Free Fire: escolha sua skin/pele
A intersecção entre moda e game resultou numa ação inédita na passarela do SPFW. Pela primeira vez, numa semana de moda, modelos e gamers desfilaram vestindo releituras de skins de personagens de um game, o Free Fire, um dos jogos online mais populares no mundo.
As 20 skins (trajes dos personagens) mais cobiçadas pelos jogadores, tiveram seus looks adaptados pelo stylist Daniel Ueda, com materiais como malha, moletom, peles fakes e telas tecnológicas vazadas. O desfile abriu com a super modelo Isabeli Fontana.
Segundo Paulo Borges, fundador do SPFW, a afinidade entre moda e games se dá porque ambos apostam em inovação, tecnologia e comportamento. O desfile tem idealização do Santander, realização do SPFW e apoio da Garena.
LILLY SARTI – Easy Chic
Lilly Sarti comemora 15 anos de seu primeiro desfile com uma apresentação que reafirma o DNA da marca, calcado no estilo boho, nas influências dos anos 70, e destinado a mulheres urbanas, femininas e contemporâneas.
A coleção tem grande variedade de formas e ideias, com destaque para boleros com ombros amplos, calças com modelagem flare, e peças com franjas e babados. A cartela de cores faz um mix equilibrado entre tonalidades terrosas e cores mais acesas.
Entre os materiais, vale ressaltar a presença de jacquards ecológicos, feitos com fios de garrafas PET que, ao mesmo tempo, são estruturados e oferecem um toque confortável. Veludo cotelê, couros metalizados e malhas com efeito craquelado.
DAY 03
MENINOS REI – Sobre entidades e liberdades
“Salve o Povo de Rua” é o tema da coleção dos irmãos Céu e Júnior Rocha, criadores da marca Meninos Rei. Exu, Pomba Gira, Tranca Rua e tantas outras entidades, são reverenciadas através das criações da dupla através de uma leitura urbana e contemporânea.
A atmosfera da rua, democrática, toma conta da passarela, abrigando corpos diversos que já não admitem o enquadramento em padrões. Eles usam vestidos com maxi mangas, bermudas, boleros, calças com babados, paletós e macacões, sempre com o poderoso mix de estampas africanas que caracteriza a marca.
Entre os convidados especiais do desfile, figuram o rapper Renegado; a cantora de rap, mulher trans e atriz, A Maia; os atores Ícaro Silva e Rainer Cadete; a militante gorda e criadora de conteúdo digital, Thaís Carla; Henrique Borges, filho de Paulo Borges; Amanda Rayssa, sobrinha de uma costureira da marca, que está realizando um sonho ao desfilar no SPFW.
A Meninos Rei é uma das oito marcas integrantes do Projeto Sankofa, uma iniciativa do coletivo Pretos na Moda, em parceria com o VAMO (Vetor Afro-Indígena na Moda), com o objetivo de racializar a moda nacional.
ATELIÊ MÃO DE MÃE (AMM) – Manual e atemporal
A marca baiana, que expressa a paixão pela manualidade através do crochê, estreou no SPFW na edição passada, como participante do Projeto Sankofa, com um filme de moda. Agora, o Ateliê Mão de Mãe (AMM) mostra, presencialmente, a coleção “Profundo”, que faz referência ao mar da Bahia.
O slow fashion de Luciene e Vinícius Santana, e do sócio Patrick Fortuna, mostra evolução nas modelagens, com proporções contemporâneas, sobreposições sofisticadas, grafismos e aplicações de búzios. Outro ponto positivo foi a cartela de cores que misturou branco, vermelho e marinho, e culminou em looks dourados.
O Ateliê Mão de Mãe é uma das oito marcas integrantes do Projeto Sankofa, uma iniciativa do coletivo Pretos na Moda, em parceria com o VAMO (Vetor Afro-Indígena na Moda), com o objetivo de racializar a moda nacional.
WEIDER SILVEIRO – Grunge de boutique
A inspiração da segunda apresentação de Weider Silveiro no SPFW parte dos movimentos musicais e bandas que o estilista costuma ouvir no meu dia a dia, como Nirvana e Pearl Jam.
A coleção, com 30 peças inéditas, mostra uma visão estilizada do grunge que, se perde no quesito rebeldia, ganha no glamour. Há looks com xadrezes e florais da cabeça aos pés, em preto e branco. Vestidos em versão mini e maxi, e mangas extra longas. Tudo muito feminino e elegante, em malhas de jérsei plissadas, moletom, matelassê e tricô.
“No meu primeiro desfile no SPFW, eu pude apresentar a minha visão sobre a moda e o feminino, resgatando os motivos pelos quais eu me apaixonei pelo mundo da moda, através das proporções geométricas e oversized. Agora, essa persona se renova, se aproximando dos contextos urbanos, deixando sua marca no universo do streetwear”, diz Weider.
WALÉRIO ARAÚJO – Noite estrelada
Depois de marcar presença nas duas últimas edições digitais do SPFW, Walério Araújo celebra seus 30 anos de carreira com o desfile presencial da coleção “Noite Ilustrada”.
O nome é uma homenagem à coluna homônima, escrita por Erika Palomino, no jornal Folha de São. Paulo, entre 1992 e 2005. Lá, a jornalista registrou a cultura da noite paulistana e revelou para o grande público seus personagens: hostesses, DJs, performers e estilistas, como o próprio Walério.
Na passarela, vestindo looks que vão do jeans à alfaiataria, sempre com muitos enfeites e brilhos, nomes como o DJ Johnny Luxo, a modelo e cantora Geanine Marques, a artista Bianca DellaFancy, e o empresário e ex-modelo Luciano Szafir.
JOÃO PIMENTA – Respiro
Depois de duas coleções que refletem sensações e sentimentos causados pela pandemia nas últimas edições do SPFW, agora João Pimenta cria roupas que abraçam o desejo da normalidade que aguardamos, com base nos desejos dos seus clientes.
Sempre trabalhando com um formato barroco de criação, maximalista porém dessa vez, sua coleção beira o minimalismo, para uma criação de roupas mais fáceis, que nos passam essa sensação de respiro pós-caos. O resultado são peças mais clean não só na estética, mas também na forma, em uma cartela que vai dos brancos, passando pelos nudes aos cinzas e preto, sem deixar de lado o DNA do estilista, rico em sobreposições e na fluidez de gênero.
A sua alfaiataria aparece leve em crepe de seda, mas também com tecidos mais pesados e amplos, moletom e malha. A coleção tem um aspecto final um pouco voltado para estações mais frias, como coberturas, em uma grande variedade de casacos.
DAY 04
PONTO FIRME – Crochê da cabeça aos pés
O Ponto Firme – projeto criado pelo estilista Gustavo Silvestre há seis anos, com o propósito de oferecer reinserção social por meio do crochê para sentenciados e egressos da Penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos – faz sua quinta apresentação no SPFW, com a coleção ‘Bando’.
“As peças foram produzidas nos últimos meses, depois da retomada das aulas dentro da penitenciária onde o projeto nasceu há seis anos, mas tinha sido interrompido durante o período da pandemia. Doze novos alunos do Ponto Firme estão sendo capacitados pelo curso, além de egressos, e participam da criação das roupas que foram desenvolvidas com as linhas da Círculo. Escolhemos os fios Verano, Duna, Barroco, Jeans e Glow. Este último se caracteriza pela tecnologia de brilhar no escuro, uma grande inovação no segmento de fios e que dá um resultado incrível e único às produções”, diz Gustavo Silvestre.
Usado em peças com tramas elaboradas, desenhos de paisagens, ou palavras de ordem, o crochê agora surge também em bonés e na papete sustentável NX Collab Rider + Ponto Firme, que estará disponível para venda ao público em lojas de todo o Brasil a partir de janeiro.
Simultaneamente ao lançamento da coleção, acontece a inauguração do Ateliê-Escola-Estúdio Ponto Firme, no centro de São Paulo. O espaço pretende ser um ponto de referência em artes manuais e oferecerá cursos para egressos do sistema prisional, e também para o público em geral interessado em aprender ou desenvolver técnicas artesanais, principalmente em crochê.
“Será um movimento para promover novos encontros e ampliar a atuação do projeto com a possibilidade de formar até 150 egressos em cursos profissionalizantes por ano”, completa o estilista.
FERNANDA YAMAMOTO – Origem, cultura e resistência
A estilista Fernanda Yamamoto surpreende uma vez mais ao aplicar sua força criativa a um formato inédito: o desfile-performance-exposição intitulado “YAMA: Fernanda Yamamoto & Comunidade Yuba”, no Centro Cultural São Paulo, com curadoria de Marcello Dantas.
A coleção, apresentada em forma de performance no CCBB, se origina de um acervo de figurinos da comunidade Yuba. Três kimonos antigos, feitos a partir de sacos de algodão para armazenamento de ração de galinha e usados em espetáculos de dança, teatro e música, foram escolhidos para receber interferências de bordados e aplicações de organza de seda transparente, de forma a não ocultar a riqueza da história original das peças. A partir desse fio condutor, a equipe de Fernanda Yamamoto trabalhou formas de kimono em organza, seda e morin, usando técnicas manuais presentes no trabalho da marca, como: bordados, origami, macramê, drapeados, shibori e enfesto.
Sobre a exposição, o curador explica: “Fernanda Yamamoto se une à Yuba, comunidade autônoma criada na década de 30 por imigrantes japoneses no bairro Aliança, em Mirandópolis, cidade do interior do estado de São Paulo. Conhecida por seu sistema de vida auto suficiente, a comunidade se dedica à produção de alimentos, utensílios, instrumentos e brinquedos, ao mesmo tempo que promove a educação e as artes por meio do teatro, da música e outras expressões que buscam manter os traços de uma identidade japonesa dentro do contexto cultural brasileiro”.
No espaço expositivo, uma grande mesa construída pelos membros da comunidade, recebe uma seleção de objetos criados para uso cotidiano: de enxadas a panelas, brinquedos a violinos, de figurinos a pinturas. De um lado da sala, há uma cronologia da história singular desse povo que conseguiu perenizar seus costumes num lugar distante de sua origem cultural. Do outro, aparecem as criações de Fernanda Yamamoto, feitas a partir de figurinos antigos de espetáculos da comunidade.
“Essa experiência apresenta um caminho traçado de como se reinventar (ou resistir) diante de situações limite, e nos recorda tudo aquilo que os fundadores de Yuba tentaram trazer e mostrar para esse novo mundo”, diz Dantas.
SANTA RESISTÊNCIA – Joia rara
A diretora criativa Mônica Sampaio leva para a passarela a força das mulheres da cidade de São Félix, que movem o mundo da fé, do axé, do samba de roda, e da resistência. Elas são as verdadeiras Joias do Recôncavo, tema da coleção.
A apresentação traz muitos vestidos longos, elegantes e sensuais, com ar de anos 70, e detalhes manuais, como a aplicações de fuxico, flores, e amarrações de macramê. Há também peças de alfaiataria, shorts, tops e jaquetinhas curtas. Uma estampa naif, com casinhas interioranas, dá um toque de frescor aos looks. A cartela de cores contém verdes, laranjas, azul, branco, e amarelo.
NAYA VIOLETA – Andar com fé
A moda afro afetiva da goiana Naya Violeta trouxe para a passarela do SPFW a coleção “Encante – do amém ao axé”, que fala sobre a possibilidade de coexistência com as diferenças e singularidades da fé. Isso se traduziu numa explosão de cores e de estampas exclusivas, assinadas pelos Irmãos Credo, amigos de longa data da estilista.
Numa das padronagens, havia uma colagem com as palavras temáticas da coleção, animais estilizados, e figuras solares. Em outra, prevaleceu um viés pop, com grafites sobre o tecido branco. Colares de metal dourado, em formato de escapulário, exibiam símbolos de proteção. Em resumo, ancestralidade, afrofuturismo e exuberância andaram juntos e fizeram bonito.
MISCI – Amor bandido
A Misci marca de design de Airon Martin, mergulha no universo de lanchonetes e bares do Brasil, e na sua atmosfera de sensualidade e romance, para lançar a coleção Fuxico Lanches.
Apesar da temática, da trilha sonora com clássicos da música romântica popular, e do cenário com cadeiras de plástico empilhadas, as roupas exibem formas limpas, e detalhes geométricos, arquiteturais. As cinturas, por exemplo, têm modelagens curvas, e as pantalonas, esbanjam pregas laterais.
Todo trabalho de desenvolvimento têxtil foi feito em parceria com indústrias nacionais, resultando em tecidos diferenciados, como o jacquard com franjas de algodão orgânico, e o matelassê com o nome da grife em alto relevo.
Os acessórios também merecem destaque. A bolsa Nine, que já pode ser considerada um clássico, ganhou novas cores, e a companhia de um novo modelo, Tesaum. Já os brincos, com formas de fuxico e coxinhas de boteco, dão um toque de humor ao visual.
NERIAGE – O devaneio da cor
“As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis. Elas desejam ser olhadas de azul. Que nem uma criança que você olha de ave.” Manoel de Barros.
A frase, que aparece no início do press release da marca, dá bem o tom do caminho conceitual por trás da coleção de inverno 2022, da Neriage. Batizada de Argos, ela é “uma navegação ou um voo pelos significados e não significados das palavras e a importância de nos libertarmos dos conceitos que conhecemos. Não de modo a anulá-los, mas sobrepô-los, ‘assim como o Argonauta que renova seu navio durante a viagem, sem lhe mudar o nome,’ (Roland Barthes).”
Para empreender essa viagem rumo ao desconhecido, à desconstrução das coisas já sabidas e experimentadas, a diretora criativa Rafaella Caniello, evoca figuras-pássaro, que reforçam a ideia de mudança e movimento.
Cores contrastantes como vermelho e marinho, além dos clássicos tons de areia, off-white e rosê, surgem em looks monocromáticos, com muitas sobreposições. “As formas não são os pontos de partida, mas o resultado de devaneios onde a textura e a cor indicam o caminho.”
Martha Barros, artista plástica filha de Manoel de Barros, cedeu os direitos de duas pinturas de sua autoria – inspiradas em pinturas rupestres e desenhos infantis -, e de algumas palavras de seu pai, para figurarem na coleção.
HANDRED – Brennand da cerâmica ao tecido
Nesta temporada, o diretor criativo André Namitala firma uma parceria inédita com a Oficina Brennand, que preserva a obra e legado do artista plástico e ceramista Francisco Brennand (1927-2019).
Para traduzir o estilo de Brennand, que incluía o uso intensivo de cores, a Handred opta por um caminho inusitado: um desfile todo em branco, com a tonalidade pura e nuances amareladas e rosadas. O intuito é chamar atenção para as formas, trabalhadas em formas e volumes livres, ao estilo do artista que abraçava imperfeições. Na coleção comercial, a grife incluirá mais cores.
Entre os materiais, destacam-se jacquards que formam desenhos de cajus, assim como sedas e shantungs em construções tridimensionais, com pregas e flores. Bordados artesanais preciosos, como Labirinto, Richelieu e Boa Noite, adornam as peças, desfiladas ao som das cirandas de Lia de Itamaracá. Uma verdadeira celebração da cultura pernambucana.
A parceria da marca com a Oficina Brennand se desdobra para além da coleção e do desfile. Foi realizado também um curta-metragem documental sobre o processo criativo desse encontro, lançado no desfile, é uma publicação que registra ações da parceria.
LINO VILLAVENTURA – Liberdade, sonho e transgressão
Dobraduras, nervuras, volumes, bordados…Lino Villaventura sabe, como poucos, construir sonhos com tecido, transformar mulheres e homens em deuses, faunos, guerreiros, seres mágicos, poderosos e hipnotizantes.
Desta vez não foi diferente. O desfile trouxe uma série de looks pretos nada básicos, beges delicados, vestidos lânguidos, patchworks de materiais fabulosos, orientalismo, moulages de cair o queixo, casacos de organza fluo que parecem águas-vivas. Muitos desses elementos fazem parte do léxico do estilista e, no entanto, sempre se renovam.
Fala-se tanto em liberdade, neste momento em que o mundo anda cheio de caretice, que é bom lembrar que Lino já transgredia, tempos atrás, com sua roupa-arte, levantando questões que hoje se apresentam como essenciais.
DAY 05
BASKA – Casual essencial
A Baska – marca criada por Filipe Luna e Ezequiel Carvalho, que agora se associam ao humorista, ator e empresário Carlinhos Maia – faz a sua estreia no SPFW com a coleção Essentials.
Conhecida, no Nordeste, pela linha de bermudas e de camisas de linho para o público masculino, a label ganha, a partir de agora, a direção criativa do stylist Dudu Farias. Peças como calças, jaquetas parkas e moletons passam a fazer parte da coleção, assim como uma linha feminina, com silhuetas marcadas e amplas que valorizam corpos diversos. Confira o desfile que teve looks monocromáticos em off white.
AZ MARIAS – Feminismo com suíngue 70
Em sua segunda participação no SPFW como integrante do Projeto Sankofa, Cíntia Maria Félix, criadora da AZ Marias, celebra Lélia Gonzalez e o movimento negro dos anos 70.
Intelectual e ativista negra, Gonzalez foi pioneira nas discussões sobre a relação de gênero e raça no feminismo brasileiro. Em sua obra e militância, uniu filosofia, psicanálise e candomblé para explicar a cultura brasileira.
No desfile da marca de slow fashion, que teve a participação de Rita Carreira, peças com cores contrastantes, detalhes de macramê, franjas e muito suíngue.
MILE LAB – Moda e ativismo
Fluxo Milenar é o nome da coleção que a Mile Lab, marca integrante do Projeto Sankofa, desfila no SPFW N52. Segundo a estilista Milena Lima, a coleção se fundamenta no Afrofuturismo, e foi “criada para falar sobre a celebração da existência dos corpos pretos e marginalizados em um futuro onde a periferia tem suas raízes culturais valorizadas e respeitadas”.
A pipa aparece como um dos elementos centrais da coleção, na forma de uma estampa gráfica e em adereços carregados pelos participantes com palavras fortes, como ‘marginal’ e ‘sobrevivi no inferno’. Outro elemento que marca presença é o funk, essencial na cultura da quebrada, “uma construção que evidencia, na prática, o povo preto periférico transformando as angústias e dores que uma sociedade institucionalizada no racismo promove, em arte pura e significativa.”
A apresentação trouxe como convidados especiais: Nicole Vieira, Pablo Rodrigo e Breno Luan, artistas independentes do Grajaú.
SILVÉRIO – A costura da cura
Oráculo, coleção que o estilista Rafael Silvério apresenta no SPFW N52, é o resultado de estudos sobre o perdão como processo de cura, durante a descoberta e tratamento de um câncer ósseo na coluna vertebral.
Nesse percurso, Silvério emprega referências de roupas de sacerdotes, bases de alfaiataria espiraladas, técnicas de corte em viés, e uma cartela de cores que contempla: branco, bege, cinza, magenta profundo, vermelho, vinho e preto.
Entre os tecidos, além de algodão, moletom, e malha dublada, aparece o algodão com cânhamo, fibra que é a base do o óleo de canabidiol, capaz de aliviar os sintomas de ansiedade, insônia, inflamações, dores físicas e ataques epiléticos.
A única estampa desta coleção é uma releitura do gráfico grunge dos começo dos anos 90 em tons de vermelho e magenta profundo.
ANGELA BRITO – Arqueologia de possibilidades
Nesta temporada, Angela Brito apresenta a coleção “Arquivo”, em que revisita seu acervo reformulando peças de coleções anteriores. Inspirada no baú de fotografias de sua família, ao qual teve acesso no retorno à sua cidade natal, em Cabo Verde, a estilista traz texturas carregadas de memória afetiva.
Rostos de fotos esmaecidas estampam algumas das peças. Modelagens assimétricas, sobressaias, mangas avulsas e golas de crochê, criam efeitos contrastantes através do uso de cores. Na cartela de tons, sobressaem tons terrosos, beges, azuis, vermelhos e ocres.
No press release da marca, a atemporalidade, qualidade que permeia as criações de Angela Brito, é definida como “uma arqueologia de possibilidades, uma massa de informações ancestrais que cruza os pedaços de uma narrativa. Está no ato de recontar histórias, reconstruir caminhos e restabelecer fronteiras. Ela conecta os pontos inicial e final do movimento circular.”
APARTAMENTO 03 – As plantas curam
De acordo com Luiz Cláudio Silva, estilista e fundador da Apartamento03, a coleção Cura, de Inverno 22, “foi criada não como uma afirmação, mas como um convite para sairmos do breu e do medo em que vivemos nos últimos anos”.
Para este chamamento, criou pijamas de seda com estampas manuscritas com frases e desenhos botânicos; peças de alfaiataria com franjas ondulantes, vestidos plissados, casacos e náilon ou sarja. Tudo, como sempre, em tecidos preciosos, com acabamento impecável.
As formas são amplas, e os looks, monocromáticos, variam entre cores calmas como branco, palha, e vermelho cerâmica, e tonalidades fluorescentes de pink e verde. Bordados com paetês metálicos dão um toque de brilho à parte da coleção. E o styling acerta nos adereços e roupas de folhagens.
ISAAC SILVA – Verão Solar
“Cores da Bahia” é o nome da nova coleção de Isaac Silva, que novamente inclui uma collab com Havaianas. Segundo o estilista, o lançamento se inspira na Bahia, “pois sua exuberância é múltipla, diversa, sedutora e encantadora, como um convite constante à celebração da vida. A grande inspiração é o Sol que está presente o ano todo e os elementos como o búzio, quiabo, alho e as cores que são as dessa Bahia que eu e minha equipe tanto acreditamos.”.
Na passarela, isso se traduz em tops, minissaias, shorts, saias com babados, e camisas, numa cartela de cores que tem, principalmente, branco, rosa, amarelo, azul e vermelho. O sol aparece representado em camisetas de manga curta, enquanto os búzios, quiabos, e alhos, dão pinta em sandálias, numa mule com biqueira em crochê, em sungas e maiôs.
O sucesso da primeira parceria entre Isaac Silva e Havaianas foi tão grande, que desta vez os calçados serão vendidos no Brasil e na Europa.
DAY 06
LENNY NIEMEYER – Descomplicado Chic
Em um olhar para sua história e processo criativo, Lenny mergulhou-se em seus arquivos a fim de primeiro produzir um shooting experimental com as suas peças favoritas, ao lado do fiel escudeiro Daniel Ueda.
Com direito a uma reinterpretação do jogo de luz das fotos em estampas – que acompanham assinaturas de Lenny Niemeyer, como os conjuntos fluidos alongados, o beachwear arquitetônico, maiôs com pétalas de organza, modelagens e estampas fortes que marcaram seu legado na moda, ganham agora um olhar futurista e espiritualizado, em um clima etérea e mágica beirando o abstrato geométrico, em tons iluminados de azul, roxo e verde.
Se os 20 anos foram comemorados com um desfile-festa na Lagoa, Lenny achou que este momento pedia algo mais “contido” e intimista e armou sua passarela na parte interna da Fundação Oscar Niemeyer, cuja arquitetura ressoou as formas de seu resortwear de sofisticação ímpar – em uma coleção dedicada à memória de seu braço-direito Fabio Lemos, que faleceu de covid-19 durante o processo.